5. HELENISMO
- o termo helenismo é derivado da ora do historiador alemão J.G. Droysen, HELLENISMUS (1836-43), e designa a influência da cultura grega em toda a região do Mediterrâneo oriental e do Oriente Próximo desde as conquistas de Alexandre (332 a.C.) – do estabelecimento de seu império e dos reinos criados após a sua morte (323 a.C.) por seus sucessores (sobretudo Ptolomeu no Egito e Selêuco na Síria e Mesopotâmia) – até a conquista romana no Egito em 30 a.C., que passa a marcar a influência de Roma nesta mesma região.
- O império de Alexandre significou a primeira grande tentativa de criação efetiva de uma hegemonia não só militar, mas cultural e lingüística. A língua grega se torna a “língua comum” (koiné) de toda a região conquistada por Alexandre, assim como a moeda grega passa a ser aceita em todo o império na primeira experiência importante de unificação econômica.
5.1. Da cultura helênica á cultura helenística
- a cultura helênica, com sua difusão entre os vários povos e raças, torna-se “helenística”. Essa difusão comportou, faltamente, perda de profundidade e pureza. Entretanto em contato com tradições e crenças diversas, a cultura helênica devia fatalmente assimilar alguns de seus elementos.
- os novos centruos de cultura, tais como Pérgamo, Rodes e sobretudo Alexandria, com a fundação da Biblioteca e do Museu, graças aos Ptolomeus, acabaram por ofuscar a própria Atenas. Se Atenas conseguiu permanecer a capital do pensamento filosófico, Alexandria tornou-se inicialmente o centro no qual floresceram as ciências particulares e, quase no fim da época helenística, e principalmente na época imperial, também o centro da filosofia.
- compreende-se que o pensamento helenístico tenha se concentrado sobretudo nos problemas morais, que se impõe a todos os homens. E ao propor os grandes problemas da vida e algumas soluções para os mesmos, os filósofos dessa época criaram algo de verdadeiramente grandioso e excepcional.
- o cinismo, o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo propuseram, modelos de vida nos quais os homens continuaram a se inspirar ainda durante outro meio milênio e que, ademais, tornaram-se paradigmas espirituais.
5.2. CINISMO
- fundador do ponto de vista da doutrina: Antístenes.
- mas o principal expoente e símbolo deste movimento foi: Diógenes de Sinope; pois levou às últimas conseqüências as instâncias levantadas por Antístenes, mas também soube torná-las substância de vida com rigor e coerência tão radicais que, por séculos inteiros, foram considerados verdadeiramente extraordinários.
- programa do nosso filósofo se expressa na célebre frase: “PROCURO O HOMEM”, que, como se relata, ele pronunciava caminhando com a lanterna acesa em pleno dia, nos lugares mais apinhados.
- Com evidente e provocante ironia, queria significar exatamente o seguinte: busco o homem que vive segundo sua mais autêntica essência; busco o homem que, para além de toda exterioridade, de todas as convenções da sociedade e do próprio capricho da sorte e da fortuna, sabe reencontrar sua genuína natureza, sabe viver conforme essa natureza e, assim, sabe ser feliz.
- é nesse contexto que se incluem suas afirmações sobre a inutilidade das matemáticas, da física, da astronomia, da música e o absurdo das construções metafísicas, substituindo a mediação conceitual pelo comportamento, o exemplo e ação.
- com Diógenes, de fato, o Cinismo torna-se a mais “anticultural” das filosofias que a Grécia e o Ocidente conheceram.
5.2.1. Modo de viver do Cínico
- Diógenes: “viu, uma vez, um rato correr daqui para lá, sem objetivo (não buscava lugar para dormir, nem tinha medo das trevas, nem desejava algo daquilo que comumente se considera desejável) e assim cogitou um remédio para suas dificuldades”.
- Logo, é um animal que dita ao Cínico o modo de viver: um viver sem meta (sem metas que a sociedade propõe como necessárias), sem necessidade de casa nem de moradia fixa e sem o conforto das comodidades oferecidas pelo progresso.
- eis como Diógenes, segundo testemunhos antigos, pôs em prática essas teorias: “ Diógenes foi o primeiro a dobrar o manto por necessidade também de dormir dentro dele, e levava um bornal no qual recolhia comidas; servia-se indiferentemente de qualquer lugar para todos os usos, para fazer refeições, para dormir ou para conversar. E costumava dizer que também os atenienses haviam providenciado para ele um lugar onde pudesse morar: indicava o pórtico de Zeus e a sala das procissões. Uma vez, ordenou a alguém que lhe providenciasse uma casinha; e como este demorava, Diógenes escolheu como habitação um barril que estava na rua, como ele próprio o atesta”. Também a representação de Diógenes no barril tornou-se um símbolo do pouco que é suficente para viver.
5.2.2. Liberdade de Palavra e de Vida, Exercício e Fadiga
- esse modo de viver, para Diógenes, coincide com a LIBERDADE: quanto mais se eliminam as necessidades supérfluas, mas se é livre.
- PARRHESÍA: liberdade de palavra, tocaram os limites da desfaçatez (sem vergonha, cínico) e da arrogância, até mesmo em relação aos poderosos.
- ANÁIDEIA: liberdade de ação, até a licenciosidade (contrário aos bons costumes, devasso, depravado). Com efeito, Diógenes fundamentalmente tenha pretendido demonstrar a “não naturalidade” dos costumes gregos, nem sempre ele manteve a medida, caindo em excessos que bem explicam a carga de significado negativo com que o termo “cínico” passou à história e que ainda hoje mantém.
- Diógenes resumia o método que pode conduzir à liberdade e à virtude nos dois conceitos essenciais de EXERCÍCIO e FADIGA, que consistiam numa prática de vida capaz de temperar o físico e o espírito nas fadigas impostas pela natureza e, ao mesmo tempo, capaz de habituar o homem ao domínio dos prazeres e até a desprezá-los.
5.2.3. Desprezo do Prazer e Autarquia
- Desprezo do prazer: é fundamental na vida do cínico, já que o prazer não só debilita o físico e o espírito, mas põe em perigo a liberdade, tornando o homem escravo, de vários modos, das coisas e dos homens aos quais os prazeres estão ligados.
- Autarquia: bastar-se a si mesmo, a apatia e indiferença diante de tudo eram pontos de chegada da vida cínica.
5.2.4. O Cínico e o Cão
- talvez Diógenes tenha sido o primeiro a adotar o termo “cão” para se autodefinir, vangloriando-se desse epíteto, que os outros lhe atribuíram por desprezo, e explicando que se chamava “cão” pelo seguinte motivo: “Faço festa aos que me dão alguma coisa, lato contra os que nada me dão e mordo os celerados (cruel, mal, perverso)”.
- Diógenes foi porta-voz de muitas instâncias da era helenística, mesmo que de modo unilateral. Os próprios contemporâneos já o entendiam assim, erguendo-lhe uma coluna encimada por um cão de mármore de Paros, com a inscrição: “Até o bronze cede ao tempo e envelhece, mas tua glória, Diógenes, permanecerá intacta eternamente porque só tu ensinaste aos mortais a doutrina de que a vida basta-se a si mesma, e mostra-te o caminho mais fácil para viver.”
5.3. EPICURISMO E A FUNDAÇÃO DO JARDIM
- Epicuro filho de Neoclés e de Queréstrata, teria nascido em Atenas, em 342 ou 341 a.C., mudando-se com a família para ilha de Samos onde passou a infância e a juventude.
- dos 14 aos 18 anos, foi enviado por seu pai para a cidade de Teos para o aprendizado de matemática e f´siica, tendo recebido ensinamentos do platônico Pamfílio.
- ao completar 18 anos, dirigiu-se para Atenas, para cumprir serviço mlitar. Teve aulas na Academia com Xenócrates e no Liceu com Teofrastro durante dois anos.
- aos 30 anos, com seu pensamento já constituído, fixou-se em Mitilene, na ilha de lesbos, e fundou sua primeira escola de filosofia. Ali permaneceu apenas um anos, deslocando-se, em 310 a.C. para Lâmpsaco, onde fundou uma escola e conseguiu muitos discípulos.
- aos 35 anos conseguiu recursos para comprar uma casa e um jardim em Atenas, onde, em 306 a.C., na companhia de vários discípulos, se instalou definitivamente até sua morte em 270 a.C, aos 72 anos de idade.
- sua escola em Atenas constitui verdadeiro e preciso ato de desafio de Epicuro em relação à Academia e o Liceu, o início de uma revolução espiritual. O próprio lugar escolhido por Epicuro para a escola é expressão da novidade revolucionária do seu pensamento: não uma palestra, símbolo da Grécia Clássica, mas um prédio com jardim (que era mais um horto), nos subúrbios de Atenas.
- O Jardim estava longe do tumulto da vida pública citadina e próximo do silêncio do campo, aquele silêncio e aquele campo que não diziam nada para as filosofia clássicas, mas se revestiam de grande importância para a nova sensibilidade helenística.
- por isso, o nome Jardim (grego se diz Képos) passou a indicar a Escola, e as expressões “os do jardim” e “filósofos do Jardim” tornaram-se sinônimos dos seguidores de Epicuro.
- A palavra que vinha do Jardim pode ser resumida em poucas proposições:
a) a realidade é perfeitamente penetrável e cognoscível pela inteligência do homem;
b) nas dimensões do real existe espaço para a felicidade do homem;
c) a felicidade é falta de dor e de perturbação;
d) para atingir essa felicidade e essa paz, o homem só precisa de si mesmo;
e) não lhe servem, portanto, a Cidade, as instituições, a nobreza, as riquezas, todas as coisas e nem mesmo os deuses: o homem é perfeitamente “autárquico” (independente, autosufiente).
- é claro que, no contexto desta mensagem, todos os homens são iguais, porque todos aspiram à paz de espírito, todos tem direito a ela e todos podem atingi-la, se quiserem. Por conseguinte, o Jardim quer abrir suas portas para todos: nobres e não-nobres, livres e não-livres, homens e mulheres, e até para prostitutas em busca de redenção.
5.3.1. A LÓGICA ou o CÂNON EPICURISTA
a) Sensação na origem do conhecimento
1º) a sensação é uma “afecção” (paixão) e, portanto, passiva, como tal, é produzida por alguma coisa da qual é o efeito correspondente e adequado.
2º) a sensação é objetiva e verdadeira, porque é produzida e garantida pela própria estrutura atômica da realidade. De todas as coisas emanam complexos de átomos, que constituem “imagens” ou “simulacros”, e as sensações são exatamente produzidas pelas penetração, em nós, de tais simulacros (aparência sem realidade).
3º) a sensação é a-racional e, portanto, incapaz de retirar ou acrescentar a si mesma alguma coisa e, por isso, é objetiva.
b) As prolepses como representações mentais = Pré-noções
- como segundo critério de verdade, Epicuro punhas as prolepses, “antecipações” ou “pré-noções” que são as representações mentais das coisas, as quais não são senão “memória daquilo que frequentemente mostrou-se a partir do exterior”.
- portanto, a experiência deixa na mente uma “impressão” das sensações passadas e essa “impressão” permite-nos conhecer antecipadamente as características das coisas correspondentes, mesmo sem tê-las atualmente presentes diante de nós.
- estas prolepses assumem, pois, a função dos conceitos, mas sua validade depende direta e exclusivamente da ligação que tem com a sensação.
c) Os sentimentos de dor e de prazer
- como terceiro critério de verdade, Epicuro pôs os sentimentos de “prazer” e de “dor”.
- as afecções do prazer e da dor são objetivas pelas mesmas razões que o são todas as sensações.
- têm, todavia, importância inteiramente particular porque, além de critério para distinguir o verdadeiro do falso, o ser do não-ser, como todas as outras sensações, constituem o critério axiológico para distinguir o bem do mal, constituindo assim o critério de escolha ou de não escolha, ou seja, a regra de nosso agir.
d) Evidência e Opinião
- evidencia: é só aquilo que é imediato, como as sensações, as atnecipações e os sentimentos. Mas uma vez que o raciocínio não pode parar no imediato, sendo operação de mediação, assim nasce a opinião e, com ela, a possibilidade de erro.
- portanto, enquanto as sensações, as prolepses e os sentimentos são sempre verdadeiros e não tem necessidade de qualquer critério extrínseco de verificação e convalidação, as opiniões poderão ser ora verdadeiras, ora falsas.
- por isso, Epicuro procurou determinar os critérios em base aos quais podemos distinguir as opiniões verdadeiras das falsas.
- são opiniões verdadeiras: a) “recebem testemunho comprobatório”, isto é, confirmação por parte da experiência e da evidência; b) “não recebem testemunho contrário”, ou seja, não recebem desmentido da experiência e da evidência.
- são opiniões falsas: “recebem testemunho contrário”, ou seja, são desmentidas pela experiência e pela evidência; b) “não recebem testemunho comprobatório”, ou seja, não recebem confirmação da experiência e da evidência.
5.3.2. A ÉTICA EPICURISTA
- se a essência do homem é matéria, também necessariamente será material o seu bem específico, aquele bem que, concretizado e realizado, torna o homem feliz.
- e este bem é a natureza: o bem é o prazer.
5.3.2.1. Hedonismo Epicurista
- Hedonismo: é a doutrina que encontra no prazer o sumo bem e naca do prazer o fim da vida do homem. Doutrina hedonista é a dos Cirenaicos, que, todavia, embora pregando a busca do prazer do momento e até a superioridade dos prazeres do corpo sobre os da alma, condenam os excessos e consideram indispensável manter um domínio de si ao experimentar os prazeres.
- Hedonismo Epicurista: julga de modo positivo somente os prazeres naturais e necessários, experimentados com grande medida. O prazer supremo, para Epicuro, consiste na ausência de dor (aponía) tanto física como espiritual). Na linguagem comum, geralmente erramos quando chamamos de “epicurista” o hedonista desenfreado: este corresponde exatamente ao contrário do que Epicuro histórico prega.
a) APONÍA: ausência de dor no corpo. É o sumo prazer, que é ausência total de dor.
b) O PRAZER CATASTEMÁTICO: prazer em repouso, como ausência de qualquer forma de dor, tem caráter de estabilidade e não pode sofrer nem incremento nem diminuição, e, portanto, jamais nos deixa insatisfeitos.
c) ATARAXÍA: ausência de perturbações na alma.
- REGRA DA VIDA MORAL: não é o prazer como tal, mas a razão que julga e discrimina, ou seja, a sabedoria prática que, entre os prazeres, escolhes aqueles que não comportam em si dor e perturbação, descartando aqueles que dão gozo momentâneo, mas trazem consigo dores e perturbações conseqüentes.
5.3.2.2. Os diversos Tipos de Prazeres
- para garantir o alcance da aponía e da ataraxía, Epicuro distinguiu:
a) Prazeres Naturais e Necessários
- ligados à conservação da vida do indivíduo: estes seriam os únicos verdadeiramente válidos, porque subtraem a dor do corpo, como por exemplo, comer se tem fome, beber quando se tem sede, repousar quando se está cansado.
- são os únicos que devem ser sempre e habitualmente satisfeitos, porque tem por natureza um preciso limite, que consiste na eliminação da dor: obtida a eliminação da dor, o prazer não cresce depois.
- Ao mesmo tempo, exclui deste grupo o desejo e o prazer do amor, porque são fonte de perturbação.
b) Prazeres Naturais mas Não Necessários
- põe todos os desejos e prazeres que constituem as variações supérfluas dos prazeres naturais: comer bem, beber bebidas refinadas, vestir-se com apuro.
- já não tem mais aquele limite, porque não subtraem a dor do corpo, mas variam somente no grau do prazer e podem provocar notável dano.
c) Prazeres Não Naturais e Não Necessários
- prazeres “vãos”, isto é, nascidos das “vãs opiniões dos homens”, que são todos os prazeres ligados ao desejo de riqueza, poder, honras e semelhantes.
- não tiram a dor corpórea e, por acréscimo, produzem sempre perturbação na alma.
CONCLUSÃO: refreemos pois nossos desejos, reduzamo-los ao primeiro núcleo essencial e teremos copiosa riqueza e felicidade, porque, para nos propiciar aqueles prazeres, bastamo-nos a nós mesmos, e neste bastar-se-a-si-mesmo (autarquia) é que está a maior riqueza e felicidade.
5.3.2.3. O Mal e a Morte
a) O mal físico
- o que devemos fazer quando somos atingidos pelos males físicos não desejados?
- Se é leve, o mal físico é suportável, nunca sendo tal que ofusque a alegria do espírito.
- Se agudo, passa logo.
- Se agudíssimo, conduz logo à morte, a qual, em todo caso, como veremos, é um estado de absoluta insensibilidade.
b) O mal da alma
- A respeito destes não é o casão de nos alongarmos, porque são apenas produtos de opiniões falazes e dos erros da mente. E toda a filosofia de Epicuro se apresenta como o mais eficaz remédio e o mais seguro antídoto contra eles.
b) A morte
- a morte é um mal só para quem nutre falsas opiniões sobre ela. Como o homem é um “composto alma” em um “composto corpo”, a morte não é senão a dissolução desses compostos, na qual os átomos se espraiam por toda parte, a consciência e a sensibilidade cessam totalmente e, assim, só restam do homem ruínas que se dispersam, isto é, nada.
- A morte, portanto, não é pavorosa em si mesma, porque, com sua vinda, não sentimos mais nada; nem pelo seu “depois”, exatamente porque não resta nada de nós, dissolvendo-se totalmente nossa alma, assim com nosso corpo; nem, enfim, a morte tolhe nada da vida que tenhamos vivido, porque a eternidade não é necessária para a absoluta perfeição do prazer.